Dependendo da nossa posição, a sonoridade da orquestra pode soar bem
ou mal.
Nas primeiras filas da plateia, ouviram-se aplausos. Ruidosas palmas.
Nas filas do meio, como era a primeira obra a ser tocada pela nova orquestra,
as pessoas que são por natureza mais críticas que quaisquer outras, quer ocupem
as filas da frente ou as de trás, notaram a afinação de todos os executantes, e
notaram que alguns sons, mesmo afinados com os restantes músicos, soavam mal.
Porém, era a primeira apresentação da nova orquestra e mantiveram-se calados.
Já nas filas de trás, ouviram-se alguns apupos. É nas filas de trás que se percebe
melhor quando algum instrumento é mal tocado. São os detrás que sentem a dor da
sinfonia mal executada.
No segundo concerto, ainda antes de começar o espectáculo, alguns
comentavam que a música que andava a ser tocada era mal executada. Estes eram
os que ocupavam os lugares das últimas filas. Alguns das filas do meio
concordavam, outros não. Mas logo vieram alguns dos que ocupam as filas da frente
e garantiram que os sons produzidos pela nova orquestra eram bem afinados. Eles
executavam, à risca, tudo o que liam na pauta. Os das filas de trás, sentindo o
mal que aqueles sons lhes fizeram, não se calavam e protestavam, embora em
surdina. Alguns das filas do meio, também sem grandes alaridos, começaram a
alertar para a possibilidade de ser a partitura que estivesse errada.
Estavam nessa meio-surda
discussão, quando soaram as campainhas que avisam que as luzes se vão apagar.
Entraram todos e sentaram-se nos respectivos lugares. Os de trás notaram que
havia alguns lugares nas filas do meio que não foram ocupados, mas sentaram-se.
A orquestra começou a tocar e estava realmente afinada. Havia, lá no meio da
orquestra, alguns instrumentos que, de vez em quando e muito suavemente,
destoavam, mas logo o regente os corrigia. E eles voltavam a tocar afinado.
Alguns tocavam “pianíssimo” para não incomodarem muito. Mas tocavam.
Ainda não tinham acabado de executar a partitura e começaram a ser
audíveis, entre a plateia, alguns sussurros. E já não eram só os das filas de
trás. Havia já nas filas da frente quem se queixasse dos sons que eram tocados.
E isso aconteceu em vários concertos, até que um dia, um dos executantes,
precisamente um dos solistas mais importantes, o que era mais contestado pela
plateia, foi substituído. Para o seu lugar entrou uma mulher. Na fila da frente
ouviu-se logo alguém, com sotaque germânico, dizer: "É reconfortante saber que a
orquestra vai manter o rumo e
que a nova executante irá continuar o bom trabalho feito até agora.” E vai continuar,
com certeza, porque o que está mal, não é o executante, mas sim a pauta que lhe
distribuíram. Pior: a partitura está errada. Vamos continuar a ser feridos pela
já velha orquestra que toca sempre a mesma música.