terça-feira, 14 de junho de 2005

4 de Junho de 1976

Memórias (4 de Junho de 1976 - Assembleia da República)

O Sr. Álvaro Cunhal (PCP): - Sr. Presidente da Assembleia da República -, Sr. Deputados, Camaradas:
O começo dos trabalhos da Assembleia doa República tem um alto significado na, vida do nosso povo e do nosso país.
O regime democrático português, saído da Revolução, conquistado e modelado pela luta do nosso povo, definido na Constituição que entra em vigor, começa a sua marcha, que nós, comunistas, desejamos seja firme, serena e estável.
A situação democrática em que vivemos ao longo de dois anos exaltantes de luta do povo, português torna-se regime.
A prática dais liberdades torna-se direito e norma de vida.
As profundas transformações económicas e sociais alcançadas pela Revolução (as nacionalizações, a Reforma Agrária, o controle operário, a intervenção dos trabalhadores na gestão das empresas) tornam-se parte integrante do, regime e do projecto nacional doe progresso e desenvolvimento, que escolheu como norte a sociedade socialista.
Em nome do Partido Comunista Português, declamo que é nossa firme propósito agir de forma a contribuir para a defesa, a consolidação, a estabilidade e o prosseguimento do regime democrático, segunda os princípios definidos na Constituição.
O início dos trabalhos dia Assembleia da República tem o relevo particular que lhe dá o facto de que, com o início da primeira sessão legislativa da Assembleia, começam a entrar em funções os órgãos doe poder do novo regime.
Será um poder com uma estrutura original, uma vez que nela se encontra, através do Conselho da Revolução, e da Assembleia da República, a presença de duas grandes componentes do processo revolucionário (a militar e a popular), que conduziram à criação da nossa democracia e, agora se, expressam ao nível dos órgãos do poder institucionalizados.
Apesar de não estar ainda assegurado o exercício dos direitos e liberdades dos cidadãos em vastas zonas do território e apesar de numerosos factores antidemocráticos existentes na vida política portuguesa, ai Assembleia, resultante do sufrágio universal, reflecte a intervenção política do povo português através das últimas eleições.
Confiamos - em que os trabalhos da Assembleia se desenvolverão tendo em conta a vontade expressa, pelo eleitorado que a - elegeu: assegurar a continuação do processo, democrático.
Em nome do Partido Comunista Português, declaro que é nosso firme propósito agir de forma a contribuir para que o voto do povo se concretize, tanto na acção legislativa da Assembleia como na formação e na política do novo Governo.
A Assembleia da República ,irá defrontar unia complexa situação que exige se tomem sérias decisões para resolver os problemas políticos, económico e sociais, estreitamente interdependentes.
A vida democrática normal, as liberdades, uma política económica na, perspectiva do socialismo, o melhoramento das condições de vida das massas populares, uma, política externa de independência nacional e cooperação internacional, são completamente inseparáveis.
Tentativas de recuperação capitalista, agrária. e imperialista, a serem empreendidas pelo poder, caminhariam a par da restrição e liquidação das liberdades e do agravamento das condições de vida de todo o povo trabalhador.
Adquirirá, por isso, extraordinário relevo nos trabalhos da Assembleia a definição das grandes linhas em matéria económica e social.
Impõe-se, naturalmente, como condição da própria democracia, garantir o exercício das liberdades e direitos dos cidadãos em todo o território, e isso exige que se ponha fim ao terrorismo, às conspirações, às organizações clandestinas reaccionárias, respeitando e fazendo respeitar a ordem democrática.
Mas, a própria existência das liberdades e direitos dos cidadãos, a própria viabilidade da democracia, despende - da solução correcta dos problemas económicos que Portugal defronta.
Em nome do Partido Comunista Português, declaro que é nosso firme propósito agir de forma a contribuir para tornar possível aquilo que foi durante longos anos um projecto comum das forças progressistas e é hoje uma orientação constitucional: que a construção da democracia política seja acompanhada da construção dia democracia económica, social e cultural.
A estabilização da economia portuguesa e uma política dê desenvolvimento deverá ter em conta as radicais transformações nas estruturas económicas que se produziram desde 1974, que tornam não só indesejável, como irrealista e inviável, no quadro de uma vida política, democrática, uma dinâmica económica assente nos processos e estímulos próprios do capitalismo monopolista de Estado.
O agravamento da l exploração dos trabalhadores a fim de aumentar os lucros, a, acumulação do capital e os investimentos, como via para sair das dificuldades actuais, seria uma via anti-operária, antipopular, uma via de recuperação capitalista incompatível com o exercício das liberdades e direitos e com a vida democrática.
Para a solução das dificuldades económicas no quadro do novo regime democrático, a única via é aquela que, embora reconhecendo importante papel à iniciativa privada em amplos sectores económicos, embora dando-lhe garantias suficientes, considera pontos de partida essenciais a existência de um sector nacionalizada que abrange os sectores básicos da indústria., transportes e serviços, uma reforma agrária que constitui o ponto de arranque parra, o aluimento. da produção agrícola e pecuária e a intervenção dos trabalhadores (pelo controle e a gestão) na vida dai empresa e dais explorações agrícolas colectivas. É essa a única via de uma política económica capaz de, no nosso regime democrático, assegurar a estabilização e o desenvolvimento.
Esta perspectiva toca características específicas da situação económica e social criada pela revolução portuguesa, que indicam, como estímulo e elemento motor essenciais, não a exploração e o lucro, mas a consciência política e cívica, o trabalho criador e o melhoramento das condições de vida do povo que trabalha.
Uma política de recuperação capitalista e agrária conduziria de novo ao fascismo. A única política, capaz de resolver os, problemas económicos no quadro da, liberdade, da democracia e da independência nacional é aquela que defenda e assegure as conquistas revolucionárias e prossiga no caminho do socialismo.
Portugal viveu quase meio século um regime de repressão e terror ao serviço do grande capital e dos grandes agrários, que exploravam e oprimiam o povo português e prosseguiam ao mesmo tempo uma política de rapina e de guerra em África e de dependência e submissão da pátria portuguesa.
O levantamento militar de 25 de Abril de 1974 e a intervenção imediata do movimento. operário e popular, todas as transformações políticas, económicas e sociais realizadas desde então, constituem uma extraordinária, afirmação da vontade e independência do povo português de decidir sem ingerências externas a sua própria vida, e o seu próprio destino.
A defesa, consolidação e prosseguimento do. regime democrático, ia solução dos problemas da política interna e do desenvolvimento económico, exigem se siga uma política de independência nacional, libertando de uma vez para sempre o nosso país da submissão política, económica e diplomática a países estrangeiros - ao imperialismo.
Em nome do Partido Comunista Português declaro que é nosso firme propósito, agir de forma a contribuir para que se possa concretizar uma política externa de paz e amizade com todos os povos e com todos os países, capitalistas e socialistas, com particular relevo para aqueles outrora submetidos ao colonialismo português, cornos quais é necessário e possível, vencendo dificuldades actuais, estabelecer uma, estreita cooperação.
Ao começar os trabalhos da Assembleia, os Deputados comunistas, confirmando o seu compromisso assumido perante o povo, declaram desde já que cumprirão o mandato do povo que os elegeu.
Os Deputados comunistas defenderão, sempre e em todas as circunstâncias a aplicação rigorosa da Constituição.
Os Deputados comunistas defenderão sempre e em todas as circunstâncias os interesses da classe operária, dos trabalhadores, dos pequenos e médios agricultoras, dos pequenos e médios comerciantes e industriais, dos intelectuais, da juventude, das mulheres, de toda a grande, maioria da população portuguesa, vitalmente interessada) a que, não mais Portugal regresse ao poder económico e político dos monopólios e agrários, vitalmente interessados na, construção de uma democracia que, nos termos dia Constituição, está empenhada em transformar-se numa sociedade sem explorados nem exploradores, numa sociedade sem classes.
Queremos aqui - solenemente declarar que, na Assembleia da República, como em todos os sectores da vida nacional, o Partido Comunista, Português está pronto a unir a sua vontade e os seus esforços à vontade e esforços de todos aqueles que querem assegurar ao povo português a liberdade, a democracia, o bem-estar material e cultural, a paz e a independência.
Aplausos dos Deputados do PCP, do 'PS e de alguns do PPD.

Sem comentários: