sexta-feira, 3 de maio de 2013

Querido Pedro, tenho medo, muito medo

Bom dia, Pedro.
Deves andar atarefado a redigir o "discurso" de logo à noite. Talvez por isso nem leias o que escrevo, mas, mesmo assim, eu escrevo. E muitos portugueses também te querem escrever. E olha que, o que te querem escrever,  não deve ser diferente do que eu te vou dizer.
Sabes, Pedro, ando com medo. Fico assim, sempre que tu anuncias que vais falar ao país. Não sei porquê, mas quando tu vais falar, sinto uma sensação de perda que me aflige. Sinto que me vais sufocar mais.
Vou contar-te uma parte da minha vida, semelhante à de muitos portugueses, e que tu teimas em não reconhecer que é verdadeira:
Eras tu muito menino, ainda o Salazar se sentava no lugar onde tu te sentas agora, e eu, com tenra idade, ia "olhar" o gado nos campos. Era um tempo em que havia erva nos campos para os animais e era eu o encarregado dessa tarefa.
Como fui habituado, desde muito cedo, a ouvir rádio, porque o meu pai fabricava as galenas onde, através delas, ouvia as rádios que o homem que se sentava na cadeira onde tu te sentas agora, proibia que as ouvíssemos, o meu pai, para que eu fosse pastor com mais gosto, comprou, para mim, um rádio a pilhas, onde eu ouvia a emissora nacional. Quando o tal Salazar falava, eu sentia a mesma coisa que sinto hoje, quando tu falas. Sentia que ele tirava alguma coisa ao meu pai, e depois eu via a dificuldade que o pai tinha em comprar comida para mim, e para os meus irmãos. Nessa altura, quando tu ainda usavas fraldas, o meu irmão mais novo, da tua idade, usava umas calças com uma abertura atrás. Dessa forma, não precisava usar fraldas. E sabes porquê, Pedro? Não havia dinheiro para esses luxos de se andar convenientemente tapado, sujar a fralda, e depois ter uma empregada para a lavar.
Eu até gostava de ir "olhar" o gado. Porque juntava a nossa vaca leiteira com as de um lavrador vizinho que, a troco do meu serviço (olhar pelo gado dele), a nossa "preta" podia fartar-se de erva viçosa. Além de que, era certo que matava saudades do meu irmão mais velho, que ali trabalhava, como "moço", a troco da estadia completa (cama, mesa e roupa lavada). Já as minhas irmãs, serviam em casa de "fidalgos".
Era assim, Pedro, a minha vida. E eu sou pouco mais velho que tu. Por isso, Pedro, peço-te que te lembres dos que te serviam em Angola. Ou dos que ficaram em Vila Real. Hoje, nós vivemos quase da mesma maneira. Já não temos mais dinheiro para tu nos roubares. Pensa em nós e não queiras que te assemelhem àquele que se sentava na cadeira onde tu te sentas agora, na altura em que tu tinhas uma "ama" que te limpava o cu, enquanto nós andávamos de "cueiros".
Sabes, Pedro, tenho medo. Muito medo. Tu és capaz de nos por pior do que no fascismo. Tu és capaz de tudo. Por isso tenho medo.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

O futuro sinistro